Opinião
Arroio Pelotas: onde o privado tem se sobreposto ao público
Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul, está com futuro ameaçado
Paulo Rossi -
Declarado Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul em 2003, o Arroio Pelotas - em cujas margens e leito parte fundamental da história do município transcorreu - vê o futuro ameaçado. E não há alarmismo quando se fala em ameaça. Construções irregulares afetam o local. Mais: afetam uma Área de Preservação Permanente (APP). Bastou um breve passeio de barco, acompanhado do ecólogo e professor da Furg Marcelo Dutra da Silva, para que a repórter do Diário Popular Rafaelle Ross identificasse uma triste e assustadora realidade: o interesse privado tem se sobreposto ao público nas margens do Arroio Pelotas. Os danos ambientais são flagrantes, gritantes: casas, marinas e até dique feito com pneus podem ser vistos.
Por isso, pelo tamanho do dano, são de se estranhar as respostas dadas pelo secretário de Qualidade Ambiental, Fabrício Tavares, publicadas nas páginas 2 e 3 do último domingo. Primeiro, como se quase parecesse não se importar, Tavares considera o problema natural, mas afirma que as fiscalizações estão ocorrendo no arroio. Seria importante dizer, secretário, quantas e em quais dias foram feitas, em vez de ser evasivo. Copio trecho da reportagem: “Questionado sobre as interferências na APP sem o licenciamento ambiental exigido e até mesmo sobre a possível emissão destas licenças de forma irregular, Tavares não soube informar, de maneira geral, sobre como ou se estão de fato ocorrendo. Seria necessário, de acordo com o secretário, analisar caso por caso as obras para se ter conhecimento de qual situação perante a SQA.” Como assim, secretário? Quer dizer que a SQA desconhece o que tem sido feito às margens do Arroio Pelotas? Ou, mais uma vez, o secretário fugiu da pergunta? São claras, claríssimas, as infrações à lei. As imagens nesta página o atestam. Não há equívoco interpretativo possível. Intervenções danosas foram feitas sem respeitar os 33 metros, limite da área de Marinha. Nem se fale aqui do limite imposto pelo Código Florestal: 100 metros da margem, em ambos os lados, para corpos hídricos com mais de 50 metros de largura, exatamente o caso em questão.
Se flagrantes são as infrações, flagrante também é a ineficiência da SQA. Para o professor e ecólogo Marcelo Dutra da Silva, seis medidas deveriam ser adotadas, rapidamente, pelo órgão:
(1) Paralisar, imediatamente, toda e qualquer obra em andamento, junto à margem do Arroio Pelotas;
(2) Levantar a totalidade de empreendimentos que se sobrepõem ao ambiente de margem, em consideração ao limite legal da área de preservação permanente e/ou área de Marinha;
(3) Buscar o enquadramento legal de cada bem imóvel estabelecido e reconhecer a sua legitimidade (licenciamento do que cabe, condenação do que não cabe);
(4) Descrição detalhada das alterações ambientais impostas à margem, no trecho mais fortemente ocupado;
(5) Renaturalização do espaço natural destruído, na faixa mínima de 33 metros (área de Marinha); e
(6) Chamar uma força-tarefa, com representantes da academia, Ministério Público, Polícia Ambiental, Fepam e comunidade. Todos num grande esforço pelo Arroio Pelotas.
Quando o então deputado estadual Bernardo de Souza (PPS), na primeira metade dos anos 2000, concebeu o projeto de lei para tornar o Arroio Pelotas Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul, certamente quis honrar o passado. Mas também talvez tenha pensado em preservá-lo para o futuro, demonstrando, na letra firme da lei, sua importância para o Estado. Se pudesse ver (e talvez possa; não o sabemos) o risco que o Arroio Pelotas corre hoje, não há dúvidas de que se incomodaria muito.
A bandeira levantada pelo ecólogo Marcelo Dutra da Silva - SOS Arroio Pelotas - precisa transformar-se em bandeira de todos os pelotenses. Caso contrário, cada vez menos o Arroio Pelotas será o Arroio Pelotas. E cada vez mais partes importantes da história do município poderão ser encontradas apenas nos livros. Neste contexto de agressão ao meio ambiente, não há vencedores. Todos, os que construímos ilegalmente ou não, todos, absolutamente todos, perdemos.
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